quarta-feira, 14 de julho de 2010

Um campeão, uma taça... várias bandeiras

A escola espanhola de futebol sagrou-se campeã da Copa do Mundo pela primeira vez em sua história. Milhares de torcedores saíram às ruas do país para festejar o inédito título. Porém, o grito de “Viva, España” não é repetido aos quatro cantos do país ibérico, visto o grande número de regiões que lutam por independência. O título pode acalmar os ânimos, mas, ao contrário do que ocorre no Brasil, o futebol não encobrirá a política.

A conquista veio em um momento oportuno para o país, que ainda tenta se recuperar da crise global. Em junho, alcançou o terceiro mês consecutivo de redução na taxa de desemprego, a qual ainda é uma das maiores da União Europeia, com aproximadamente 20%, segundo o Ministério do Trabalho e Imigração do país.

Ainda no gramado, as câmeras de TV mostravam jogadores espanhóis comemorando o título, levantando a taça. No entanto, apesar da união do grupo, percebe-se a diferença de ideais políticos que move esse Estado. Enquanto uns carregavam o pavilhão da Espanha, outros, de forma muito mais calorosa e fanática, beijavam a bandeira da Catalunha, exibindo-a às câmeras, como uma forma de protesto.

No dia anterior à final, 1,1 milhão de catalães saíram às ruas de Barcelona para apoiar o Estatuto da Catalunha (o Estatuto prevê autonomia jurídica, política e cultural para a região, sendo rechaçado recentemente pelo governo espanhol).

Dos 11 homens que iniciaram a final contra a Holanda, sete jogam no Barcelona, time que, além de ser o maior da Catalunha, é um símbolo da causa catalã. O atual slogan da equipe - “Muito mais que um clube” - faz referência à causa política da região.

Talvez por essa razão, pela primeira vez, catalães falavam abertamente que torceriam pela seleção espanhola, algo impraticável tempos atrás.


Espanha dividida


A Espanha sempre sofreu com um grande número de batalhas separatistas, fruto das suas diferentes identidades ao longo da história. Atualmente, é a nação que posui um dos maiores números de movimentos políticos com caráter separatista do mundo. O País possui 17 comunidades autônomas, que foram criadas com a promulgação da Constituição Espanhola de 1978. Cada comunidade é dotada de autonomia legislativa e competências executivas, bem como da faculdade de se administrar mediante representantes próprios. Essa foi a solução encontrada na chamada transição democrática da época, após o período franquista, para um problema secular do país: as reivindicações democráticas das nacionalidades e as relações do poder central com estas.

O caso separatista mais famoso da Espanha é o do País Basco, região localizada no extremo norte do país e sudoeste da França. Pela causa, em 1959, surge o grupo separatista Eta (sigla de Euskadi Ta Askatasua, ou "pátria basca e liberdade", em euskara, língua falada na região), considerado um grupo terrorista por vários governos mundiais, a começar pelo espanhol. Com a Constituição de 1978, houve uma pequena trégua, porém o grupo não cessou os ataques a bomba.

Na Catalunha, há o nacionalismo catalão, que ganhou grandes dimensões nos últimos anos, com o partido “Esquerda Republicana de Catalunya”. Outro movimento muito conhecido é proveniente da região de Galícia, ao norte da Espanha. A região tem como representante o partido “União do Povo Galego”.



A dúvida que paira no ar remete ao comportamento dos jogadores catalães na hora de comemorar o título. Milhões de pessoas ao redor do mundo estavam com seus televisores ligados, acompanhando a disputa. Era um momento propício para uma forma de protesto, pois a política, para os defensores da causa, está acima de qualquer evento esportivo.

Em Barcelona, a alegria é grande pela conquista do primeiro título, mas o orgulho de ser catalão é ainda maior, o que foi demonstrado no protesto realizado.

Para defensores da unidade espanhola, antes de qualquer equipe, os jogadores representavam a Espanha, como país, como uma só nação. Na camisa de cada jogador, do lado esquerdo do peito, estava estampado o brasão de armas da Espanha, símbolo máximo do governo espanhol.

Todavia, o mais interessante a se notar é a preocupação política desse povo. O futebol é – sim - importante para o espanhol. A conquista foi – sim - muito festejada. Mas não obstante essa festa toda, há o momento de se pensar em coisas mais sérias. Entre um jogo de semifinal e a decisão de uma copa do mundo de futebol, mais de um milhão de pessoas saiu às ruas, não para comemorar, apoiar a seleção, mas por uma causa que, definitivamente, mexe com a vida dessas pessoas.

Em terras brasileiras, vemos como o caso das enchentes, em Alagoas e Pernambuco, foi deixado de lado por algumas partidas de futebol. Ou decisões tomadas em Brasília, que percebemos não terem repercutido tanto quanto deveriam. Afinal, o aumento aprovado no Senado, de 18% no salário de servidores federais, também não conseguiu fazer mais barulho do que as vuvuzelas da copa.